sábado, 30 de novembro de 2013

FONCEBADON=CRUZ DE FERRO=MOLINASECA : UM MAR DE EMOÇÕES

O caminho de santiago tem muitas características, e todas as pessoas individualmente, o definem numa e em outra direção, muito embora as apreciações sejam sempre na ordem daquilo que nos impacta, e nos mostre sensações, gostos. estímulos, experiências, impressões.  Isso é rotineiro, e a cada quilômetro que se percorre, os sentimentos variam e nos impelem em diversas direções. O encaminhamento para o fim do percurso, nos remete também a uma introspecção que nos faz igualmente reagir diferente.   Cada um tem a sua reação. 
 Eu digo tudo isso preliminarmente, para poder explicar o manancial de sensações que eu e a Simone fomos acometidos nesta etapa da caminhada, e que quero poder com calma descrever para dividir com todos vocês que lerem esta etapa, de um longo caminho.  Vigéssimo quarto dia, saudade de casa, dos amigos, dos filhos, momentos de algum tédio, momentos de ansiedade, para percorrer uma etapa de 25.5 quilômetros que se apresentariam como extremamente duros e portadores de muitas sensações diversas.   Saímos muito cedo de Rabanal del Camino, e a temperatura, nos ajudou bastante, pois difícil um sol direto, com áreas tão altas, e em que a cerração tende a prevalecer.  os primeiros 6  quilômetros foram de uma subida pesada e quase cruel, pois a visão de onde estávamos no pé da montanha, com a perspectiva do mapa que olhavá-mos, com a passagem  tão esperada pela cidade fantasma de Foncebadon, e chegar até a tão sonhada cruz de ferro, já dominava nossos pensamentos e nossas forças, independente daquilo que ainda nos esperaria  logo em seguida.  Como no caminho não adianta parar e fitar a montanha, a única forma objetiva de avançar é ir em frente, como sempre na vida, e isso nós fizemos com o primeiro gás, com a energia pura da manhã e  com o respectivo suador que logo chegou.  Passamos por diversos peregrinos, e os mais experientes ingleses, magros, acostumados com a neve, com trilhas acusavam a subida e literalmente pegavam longos momentos de trégua, para recuperar o fôlego e poder seguir em frente.   Alguém pode dizer, que eram somente 6 Km, e eram de verdade, mas apenas que :  que tipo de 6 km.   Minha nossa senhora, que experiência bem vivida e bem sofrida.
 A sensação perdurava, o tempo passava, e a tão esperada cruz de ferro nunca chegava, até que após cruzar uma cerca de arame, e de chegar a um patamar determinado, abriu-se a visão acima e lá estava ela imponente nos aguardando.  Que momento !   Indescritível, até porque quando lembro, me emociono, e agora mesmo ao escrever isso , relembrando a visão, as impressões e o sentimento , as lagrimas escorrem de verdade. A cruz de ferro, é uma pequena cruz de ferro, colocada no topo de um grande  mastro, que nos da a dimensão do lugar, a sua imponência e o significado para todos os peregrinos que ate ali chegam e fazem a sua  interação de fé e de crença.
 A vontade de descrever a cruz de ferro, me fez esquecer a subida e passagem pela tão falada e decantada, cidade fantasma que se chama Foncebadon.  Um lugar muito bem localizado na subida da montanha, mas que por suas características de ruínas e de cidade abandonada, criou no caminho o folclore de lugar mal assombrado, que os cachorros eram gigantes, e que de meio as casas, com a cerração, os peregrinos eram assustados e tinham visões nada   agradáveis.  realmente a visão é de abandono, destruição, lugar assombrado e abandonado, fazendo  com que cada um reaja de forma diferente, e também conforme a hora que se cruze este lugar, ele seria sim próprio para alguns sustos  bem pertinentes. Mas, para testemunho próprio, entendo que tivemos uma passagem tranquila na primeira hora da manhã, e que , afora a sensação de abandono, que nos dá um desconforto, nada de maior nos acometeu, nesta tão retratada e comentada passagem, em todos os relatos e livro que podemos ler sobre o caminho de santiago. Atualmente, pelo que podemos ver na passagem rápida, esta havendo uma retomada lenta e gradual de alguns locais de parada ali nesta cidade " fantasma", sendo que isso deverá ser com certeza a redenção do povoado, até então e por muitos anos abandonado. A foto recolhida dos registros de outros peregrinos bem ilustra tudo o que escrevi sobre o lugar. A visão não é nada alentadora, e a atmosfera tétrica de lugar mal assombrado existe sim sob as diversas formas de se ver e sentir esta etapa do caminho.
 Voltando a CRUZ DE FERRO, a primeira coisa que fiz quando cheguei foi descarregar a mochila no parador que tem nas proximidades e ir ver de perto aquela montanha de pedras, carregada de forma individual e unitária por cada um, formando ao longo dos anos esta montanha que a foto retrata.  todos os peregrinos trazem de seus locais de origem uma pedra, e com este significado, a colocam no pé da cruz, fazendo seus pedidos e suas orações.A emoção de todos que chegavam era presente, e as lagrimas também uma quase unanimidade.  A magia, significado, a coisa forte que daquele monte de pedra com aquela cruz, exerce sobre todas as pessoas é muito  forte de verdade.  estivemos por longos momentos sentados, descansando, sem pressa, fitando todos que chegavam e fotografando  os momentos  de fé e de  manifestações as mais diversas.   Depois de descansarmos, foi a nossa vez de abrir as mochilas , retirar nossas lembranças, e as lembranças dos amigos que nos fizeram portadores de seus pedidos, de suas crenças, de sua fé e da magia que a todos envolvia.  Tive a oportunidade de levar algumas coisas de minha mãe, de amigos,minhas pessoais, que pude com calma fixar ao redor do mastro, amarando, colocando entre as pedras e por alguns momentos ficando quieto e calado com meus pensamentos, naquele ato de fé, simbólico sob qualquer que seja os acreditar e entender !   QUE MOMENTO DE MINHA VIDA!!! Quem um dia tiver esta oportunidade verá do que falo, da sua imponência e do seu significado.  Muito forte de verdade.
 Pois é, a vida é sempre assim.  Alterna momentos vários , com sensações várias e nos faz refletir sobre todas as situações que estamos inseridos.  A passagem da cruz de ferro foi muito intensa, muito emblemática e fez a mim em especial, ter a sensação de ter deixado por lá , uma série de fatos, de sentimentos, de dores, que só quem passa, convive e está que pode mensurar.    Pois bem meus amigos, mas a coisa estava sómente nos primeiros  6 km, e o dia estava apenas começando. 
 Acredito que devemos ter ficado, algo em torno de uma hora , uma hora e meia nesta parada, que com todo o seu significado, nos faz reagir das formas mais variadas.   Eu fiquei, ato contínuo a parada, com um misto de euforia, de leveza, de tranquilidade, que me fez calar e convidar a Simone para irmos em frente. Prontamente nos organizamos com as coisas guardadas, tudo fechado, cajado, luva, roupas afiveladas, e eu ousei dizer assim para a Simone:  agora será 20 km de barbada, pois é só descer, conforme vocês podem ver no mapa que  informa a declividade da etapa.    QUE TRISTE FALA E QUE ILUSTRE ENGANO MEUS AMIGOS !
 Pois foram alguns minutos de asfalto de descida, com calçada e sinalização, e algo novo se apresentou para nós nesta surpresa do dia:   PEDRAS NOS CAMINHO !  TODAS AS PEDRAS DO MUNDO ESTAVAM NAQUELE CAMINHO ,  na descida de 20 km até a cidade de Molinaseca.
 Foram sete horas de caminhada entre morros de pedra , sómente descendo, mas com todo o tipo de dificuldade possível e com os nossos joelhos voltando a acusar as dores,  a ficar doloridos, com o perigo de tropeçarmos, e nos cortarmos feio, pois qualquer tombo seria  um estrago.  Morros imensos de pedra, pedras soltas de todos os tamanhos, de todos os tipos, de todas as cores, indo da ardosia quebrada e afiada, até o seicho de rio nas baixadas e nas corredeiras das águas que das montanhas desciam por todas as fendas possíveis.   Quem gosta de filme de guerra, quem conhece o trabalho dos soldados americanos " RANGERS", aquele trecho era algo digno para a brigada americana de selva, tendo em vista todos os percalços e adversidades. A descida era toda escarpada, com lugares até perigosos, com imersão total na mata, com  passagem por locais pouco habitados, e também a passagem por povoados minúsculos, que nada nos permitiriam se realmente houvesse a necessidade de um socorro mais efetivo e rápido.  Um trecho difícil, para se esquecer e fazer sofrer.    Para quem pensou como eu que seria aquela máxima de que para baixo todo o santo ajuda, nos enganamos redondamente.
Detalhe importante:   neste trecho, a Simone teve as únicas bolhas da caminhada, e teve que fazer a descida, não calçada de botas , mas com um par de" Papetes ", sendo que também assim foi admirável a sua garra em fazer um trecho tão difícil, com bolhas e depois calçada com um material que não era adequado ao tipo de terrenos que estávamos descendo.    A paisagem, em discordância ao nível de dificuldades, era deslumbrante, proporcionando uma visão panorâmica, muito linda, onde destacavam-se os pico muito nevados ainda e os morros crivados de aerogeradores eólicos.
Quando chegamos finalmente, ou quando divisamos lá no fundo do vale a pequena cidade de Molinaseca, tivemos um alento, pois somente a temperatura agradável e o sol que  esquentava nas primeiras horas da tarde, para nos dar o alento que estávamos precisando.  Ficamos em um albergue bem bom, particular, que nos proporcionou mais algumas hora de conforto, com a possibilidade daquele sempre esperado banho, momento de lavar as roupas e comer alguma coisa mais forte e que nos desse mais fortidão para a etapa seguinte.  Além disso, os detalhes corriqueiros de ver onde era a farmácia, compra de mais Micropore, mais alguns comprimidos de ibuprofeno, um pequeno passeio pelo centro antigo do povoado, que tinha a sua area medieval preservada, antiga, mesclada com a modernidade de uma cidade atualizada, com excelente padrão de vida, que nos mostravam os prédios, carros e pessoas que podemos ver e avaliar.

domingo, 24 de novembro de 2013

ETAPA 24 : ASTORGA ATÉ RABANAL DEL CAMINO.

A etapa que nos aguardava , no início da semana, com uma segunda feira ensolarada, era de 20.7 quilômetros,indicando que não seria nada difícil, ainda mais que o roteiro seria até plano para os padrões já experimentados, e os dias que estavam passando, nos davam mais certeza, experiência e alento para cada manhã que acordávamos, para o dia de trilhas.  O domingo em Astorga, tinha sido bem estimulante, com uma possibilidade de desfrutar do albergue do Javier, com calma, sem atropelos, bem instalados, na area central e provido do indispensável que estávamos precisando. O peregrino quer uma cama e um banho quente !   o resto tudo é lucro, e isso a cada dia a gente  apropria com maior certeza e determinação.
Saímos muito cedo, animados, pois sem subidas enormes, e com os vinte quilômetros que nos esperavam, já adotávamos postura que seria uma " barbada", e assim se configurou. O tradicional suador da manha esteve presente, e nos encaminhou para a primeira parada da manhã, naquele que foi o café da manha mais caro do caminho. O café da italiana, mais esperta que conhecemos no caminho.  Suco com laranjas orgânicas, pão com ovo, talvez de galinhas de linhagem, e pão com trigo internacional, nos custou 16 Euros, um roubo para os padrões diários.  Literalmente um roubo.   Mas foi um epsódio único, e não vamos denegrir todo o processo, pela atitude da Italiana, quase ladra.  Pedimos, foi servido, comemos, sendo o que restava era ser pago.   O caminho também tem disso.  De salutar, apenas a experiência de ver alguém com uma esperteza acima da média, falante, envolvendo um grupo de peregrinos desavisados, e executando um cutelo mortal ao fim do lanche.  Pagamos e fomos em frente.  Boas risadas depois, da pegada e da esperteza da ilustre mulher, que nestas idas e vindas deve acumular bastante lucro com suas incursões de alento e elogios aos alimentos orgânicos e  a sua diferença astronômica.   APRENDIZADO !!!!!! a vida é todos os dias assim também, não é verdade ?   pois é, foi assim mesmo.
 
 Eu devo já ter escrito em oportunidades atras, que o balizador para quem levanta e parte para a etapa diária da caminhada, não adianta ser o número de quilômetros, e sim as horas. Acorda-se cedo, inicia-se a caminhada e temos a certeza, de que antes das 13 horas não iremos chegar ao destino.  Sendo assim, eu procurava usar este método introspectivo, que não me induzia a busca de marcos demarcatórios etc....placas, e marcações de tinta, mas sim somente as flechas amarelas e a certeza que após o meio dia ou perto das 13 horas estaríamos chegando na etapa.  Passamos santa catalina,  el ganso, e outras tantas paragens, que não me chamavam a ter olhos para registrar.  O negócio era caminhar e chegar.  Assim fiz muitas vezes. E assim fizemos até chegar ao pé da montanha em Rabanal.  O outro dia seria complicado e emocionante.   Estávamos nos aproximando da cruz de ferro, sua carga emocional, seu significado, suas lendas, e a emoção era a cada passo, um desafio.  Antes disso,  tínhamos que dormir, recuperar forças e daí sim enfrentar a cruz, a subida, Foncebadon e uma surpresa que no próximo post estarei contando a todos vocês.
 Rabanal, é um povoado muito pequeno, extremamente rústico, dotado de prédios de pedra bruta, no início da montanha, e que sempre  aparecia aos peregrinos como um ponto de refúgio para a empreitada da subida.  dependia sempre do dia, do frio, da chuva etc...para os peregrinos empreenderem a caminhada da subida, sendo que rabanal era sempre o moderador destas investidas,  agindo como um ponto neutro de análise e medida do pode ou não pode.  Para nós, não podia. seria ali nosso refúgio do dia, até porque a cerração começou a baixar no pé da montanha e ate a visão ficou restrita.  Escolhemos um albergue público, pequeno, e tivemos uma surpresa, classificável sob  alguns parâmetros do caminho de santiago. O albergue era limpo, simples, pequeno, aconchegante, com apenas 10 leitos e nos foi entregue literalmente pelo seu hospitaleiro, que iria fazer uma visita ate ASTORGA, e nos deixou de dono, com " poderes" de receber ate mais 8 peregrinos e que estivéssemos a vontade, pois ele somente retornaria no inicio da noite. Literalmente apropriamos a fala, e recebemos uma Peregrina, Procuradora Federal de São Paulo, um engenheiro francês que conhecia o Brasil, duas francesas que chegaram tarde tremendo de frio e mais a menina Suíça que caminhava com dois cachorros , que também merecerá a frente uma referencia especial num capítulo a frente.  Foi muito legal de verdade.   Banho quente, compra na única bodega do povoado, divisão da mesa e da massa, com queijo francês, vinho bom( que molhamos a boca apenas), e uma conversa de maluco, carregada de gestos, pequenas  expressões, muita tradução de quem falava português e inglês, e ainda francês, como era o caso da nossa amiga momentânea peregrina brasileira de são paulo.  Estas particularidades do caminho são impagáveis e muito reconfortantes.  O inusitado está sempre presente nestes momentos. A troca de informações, o empréstimo de um comped para as bolhas, a troca de um comprimido, o auxilio no funcionamento da lavadora, o estender e cuidar  enquanto o outro seca os pés no vento e por ai vai. São trocas explicitas e peculiares de pessoas que estão literalmente no trecho, e com necessidades.  Necessidades de falar, de sorrir, de comer, de ouvir, de ter um gesto, de receber um alento, e isso é quase intraduzível.  A percepção disso tudo junto e misturado fascina.  Este é o caminho.
Uma missa em uma igreja multi medieval, de pedra bruta, com um padre que falava vários idiomas, para uma mistura racial imensa, de credos e de  endereços, mas que formava uma egregora lindíssima e indecifrável.  A força de deus, a sua palavra, a fé, e a predisposição de receber estavam presentes naqueles momentos  únicos.  que experiência linda.  Dormir , descansar, tomar nosso remédio para a dor do corpo e dos joelhos, e a fé de que a CRUZ DE FERRO NOS ESPERAVA!    e assim foi.    Na etapa seguinte eu conto como foi.

domingo, 10 de novembro de 2013

23 etapa: SAN MARTIM A ASTORGA.

 Saída cedo do albergue, com temperatura não tão fria como nos últimos dias, mas sempre requerendo gorro, luvas, duas camisas por baixo e a japona impermeável diária e inseparável.  Era um Domingo, e apesar dos dias do caminho não se apresentarem com esta diferenciação da vida aqui de fora normal, entre dia de semana, fim de semana, feriados etc......caminhar no domingo tinha a mesma  graça ou a mesma sistemática de ser um dia igual aos outros.  Será que alguma coisa muda ou não ?   veremos então a frente.

 A saída de San Martim, parecia que teríamos de novo trajeto beira estada, mas isso não se  confirmou.Foram três ou quatro quilômetros e enveredamos para o lado do campo, deixando o leito da estrada.  Foi uma retomada de caminhos com características de bosque. Passamos por povoados pequenos e chegamos ate um local que se chama HOSPITAL DE ÓRBIGO.  Uma passagem que se estabelece como um reduto para os peregrinos, com todas as opções e que nos mostra uma paisagem medieval de verdade.  Uma passagem de ponte toda de pedra, a rememoração das batalhas com aquelas lanças pontudas e conduzidas pelos cavaleiros com armadura, com inclusive em uma época do ano ,a cidade/povoado se engalana para ter estes acontecimentos rememorados.  A paisagem que se vê quando entra no povoado é de inspiração medieval , de cruzar realmente um povoado daqueles antigos com ponte de pedra, rio de seichos em baixo, e com características que já somos familiarizados por filmes em mutas aparições. Como não sabíamos da existência desta parada, não nos organizamos para parar ali, e por isso, nos colocamos  em caminhada novamente, sem antes tirar todas as fotos possíveis daquela maravilha que nos lembrava todas as informações dos tempos idos, estudados na escola.  Uma marca muito  legal deste caminho :  HOSPITAL DE ORBIGO( quem fizer o caminho se organize para coincidir a parada por lá. Valerá com certeza a organização e a parada.)  Nos colocando em caminho, começamos a ver uma paisagem diferente.  A idéia era de que saímos do asfalto e fomos cortando campos, lavouras e começamos a subir de forma leve mas continuada, como se a impressão fosse de estar contornando vales, caminhando por declives e por subidas novamente, fazendo voltas e sempre em direção ao cume da cadeia de montanhas que divisávamos ao longe. É sempre assim.  A gente vê a cadeia de montanha no horizonte e mais tempo menos tempo voce estará subindo lá em cima e estará cruzando para ver o que te espera no outro lado.  Isso se repete todos os dias no caminho.  A novidade é o que terá sempre por detrás do morro  !  Nossa etapa do dia seria 26 quilometros e meio, sendo que  isso vai sendo diluído conforme a etapa, e esta era assim em passagens de povoados próximos, fazendo com que a sensação de distancia fique um pouco aplacada. Toda hora você esta entrando em um povoado e toda a hora você tem a oportunidade de ver diferente, não ficando a impressão de longas distancias a esmo. 


A visão lá de cima no cruzeiro que se chega para visualizar Astorga de cima é muito legal e muito emblemático.  Chegar em Astorga leva mais duas horas de caminhada.  Uma caminhada de descida, com aproximação da cidade e todas as suas características.  Uma novidade: a primeira vez que vimos policia ostensiva com carros na entrada da cidade. Tínhamos a impressão que estavam ali para fazer uma triagem a distancia de  quem estava entrando na cidade.  Nada de interceptação, mas a presença forte e ostensiva.
 Fomos chegando, e a subida ate a catedral nos impinge  uma  quantidade de degraus bem acentuada e de difícil  característica para ser atingida.   Passa-se os trilhos do trem, e envereda-se para a área central com acesso aos  primeiros albergues e aos prédios centrais de arquitetura antiga, e imponentes.  Buscamos o albergue do JAVIER, por indicação , fizemos as acomodações básicas, roupas, pagamos os 8 Euros por pessoa, e nos acomodamos para um descanso básico.  Em seguida, fomos buscar o menu do peregrino, e sentamos para comer diferente, sem fazer nada e sem comprar nada, até porque senhoras e senhores, ASTORGA aos domingos fecha tudo, e não se consegue comprar nada alem de doces nas finas docerias que a cidade  possui.   Nosso Menu peregrino tinha, sopa de legumes, filete de ternera, peixe, paelha, e sobremesa de creme (FLAN) ( tudo muito gostoso e saboreado com a nossa comum e sempre presente coca-cola, deixando de lado a oferta que acompanhava que era o vinho.  Não beber é um problema de quem faz o caminho.  Vinhos em profusão, barato, bons vinhos e de fácil acesso.   Mas nós não bebemos e com certeza perdemos por isso.
A janta foi um problema, pois para poder comprar pão, presento e queijo tivemos que rodar mais de uma hora nas áreas centrais da cidade, perguntando quem venderia isso e se não, onde  encontrar.  Conseguimos e quebramos o galho de uma janta improvisada, para que a segunda feira pudesse ter inicio com   tranquilidade.    A passagem por Astorga, mostrou uma cidade imponente, de arquitetura extremamente famosa, com característica de doces muito gostosos e de gente de toda a Europa que busca  a cidade por turismo de fim de semana, em função das belezas de arquitetura medieval e prédios e igrejas  extremamente famosas.  Cidade clássica, formal  e muito reconhecida pela sua arquitetura.
A nota ruim da estada em Astorga foi a noticia que recebemos de nosso amigo ARNALDO, que fazia o caminho alguns dias a frente e que estava enfrentando neve de quase metro, na chegada da etapa do CEBREIRO, que nos colocou medo e ansiedade para nossos próximos dias.  Mas isso falo no próximo post !!!!!!!!

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Vigéssima segunda etapa !!! LEON ATÉ SAN MARTIN DEL CAMINO.

A saída de LEON, já foi relatada, e podemos dizer da emoção, e de todos os sentimentos positivos  do acolhimento, do simples e quente cafe, com a capacidade de nos esquentar  para o dia a ser buscado, o novo, nos próximos 25 quilômetros, que nos fariam chegar mais perto de um dos referenciais novos da caminhada, que seria a chegada mais a frente em ASTORGA.   As saídas de cidades no caminho são muito  significativas.  A caminhada pela manha sempre cedo, nos dá a certeza de que temos chão a frente, e o novo, o caminho sempre tem que ser trilhado e descoberto.   Se será a beira da estrada, se será no bosque, se será em áreas rurais, sempre tem um estilo. Nesta manhã a saída foi fria , descendo da parte alta da cidade, chegando as suas ruas de arrabalde.  Para quem mora no rio grande do sul como nós, a ideia da saída de LEON, é a mesma de quem saí de Porto Alegre e vai em direção a São Leopoldo, com todas as cidades ao largo da BR 116 , passando pela região metropolitana, suas empresas, em estilo escuro comercial, e que nos mostrava uma faceta sem o estilo bucólico dos campos, a idéia dos bosques, plantações e todas as situações que já tínhamos vivido até aqui. A caminhada nestas condições perde um pouco do glamour, do romântico, da atmosfera medieval de algumas passagens, e nos remete para uma realidade as vezes conhecida e que nós processamos e nos adequamos. Eu por exemplo me senti na região metropolitana de Porto Alegre e assim fiz o período. Caminho, caminho, estrada, beira da rodovia, povoados interligados  e lá pelas 11 horas da manhã a etapa estava vencida.  O albergue era na beira da estrada, e eu decididamente não achei legal ficar ali. Nada de nada.  Um albergue que parecia uma escola a beira da faixa movimentada, não aberto ainda e que não empolgava de verdade. A Simone queria parar, porque as dores nunca nos abandonam, e elas sempre querem que a gente pare. Confabulamos, não acertamos a parada de imediato, e eu de forma quase impositiva, disse que não queria ficar ali.  Muitas vezes tive esta sensação ao longo do caminho.
Muito ruim ficar em um determinado local, onde a impressão é ruim e nos remete ao saudosimo da nossa casa,não nos deixa feliz, não nos permite relaxar e temos que ficar contrariados.  Pois a Simone entendendo também este desconforto, concordou que fossemos mais a frente.  Assim fizemos.  Nosso próximo ponto a frente, referenciado no guia e que tinha as situações básicas de parada era quase mais 5 Quilômetros a frente e , assim fizemos.   Uma canaleta de correr água para plantação, ao longo da entrada da cidade que marcava a frente.   SAN MARTIM  !   e fomos em busca do que nos esperava.   Um povoado minusculo a beira da estrada, com um albergue público vazio, que primeiramente nos assustou.  Ruim ficar em locais vazios, sem parceiros, sem conhecidos.   Mas com cinco quilômetros a mais, era ali mesmo e nada mais. Tinha um bilhete do hospitaleiro que informava que fossemos nos  aconchegando , que logo logo ele viria para nos oficializar nos registros.   Uma sensação diferente, pois a gente fica avulso, sem acolhida, numa casa desconhecida, sem referencia e dono de uma situação desconhecida.    Mas assim foi !
Mochila aberta, roupas para serem lavadas, botas tiradas, camas escolhidas, telefone para carregar, pés sem bandagens, fome, sem informações da cozinha.......tudo diferente e tudo  sem referencial.   Assim foi aquela estada.   Banho quente, um frio chato, seco, descampado, e nós ali sentados na beira da varanda de um albergue com dois ou três peregrinos somente em um albergue vazio.  Reviramos a mochila e a comida que tínhamos era muito pouca, e precisávamos comprar.  Saímos em busca dos mercadinhos, tendas da cidade e encontramos um bem próximo de acordo com nossas necessidade.  Fácil de verdade.   Pão, atum lata, tomate, chocolate,queijo, presunto, um doce, maionese em sachet, ovos, mais ou menos tudo de acordo com o que sempre comprávamos em todas as oportunidades.  Voltar ao albergue, receber o hospitaleiro que tinha chegado para fazer nosso registro  e comer com tranquilidade.  Não sem brindar um gato que nos observava com atenção, ao sentir o cheiro do atum da lata, fazendo com que eu tivesse por um detalhe de humanidade, dividir a minha lata de atum com ele, ou seja, peguei uma parte e deixei a lata no chão.   Ele devorou, com a fome que estava, que nos fez observar.   Tudo pode ser motivo de emoção. Ate dar um pouco de comida a um animal, era motivo.  Ficamos vulneráveis, ficamos reféns das emoções.  Enquanto rola tudo isso o horário voa também.   Deitar, levantar os pés, aconchegar no beliche, com os cobertores do albergue que estavam todos a disposição sem ser disputados era tudo de bom.   O jeito foi deitar descansar e dormir, para estar bem recuperados no dia seguinte, onde a angustia era chegar no destino mais esperado:  a cidade de Astorga.
A etapa foi assim!  algumas são sem sal e sem sabor também.   Algumas marcam para todo o sempre.
No final do post da etapa anterior, eu fiz referencia a detalhes  que o caminho desnuda de forma muito real e verdadeiro, sem mascaras e sem formalidades. Pois é então sobre estes detalhes que vou dizer aqui, mostrando um pouco do mundo real e sem glamour da caminhada.    UM deles é a falta de privacidade. A gente acostuma na dificuldade, quase sem nada de detalhes.  Vive-se confinado, em pequenos espaços com uma infinidade de pessoas, sem filtros sociais.   Os cheiros, os sons, a falta de sensibilidade de alguns, a intromissão de outros, são fatores que nos impactam de verdade.   E, a gente acostuma também.  Uma americana que se irritava a ponto de sacudir quem roncava !   As meninas canadenses que não gostavam muito de banho !  Duas meigas e pequeninas dinamarquesas, ruivinhas que se deliciavam com carinhos no beliche, independente dos olhares contrariados dos mais velhos......nesta direção !    Uma descarga de banheiro no meio da madrugada, acompanhado dos sons característicos, são uma situação a ser enfrentada em locais pequenos e sem privacidade.   O caminho também tem destas facetas não tão encantadoras, mas normais e  presentes.   Sem melindres e sem  deslumbres.   Tipo: a vida como ela é !   Apenas que em situações características e em momentos diferenciados.   Tudo dentro de um padrão aceitável e de entendimento cidadão.   Sem muitas observações.
E , o que vem a frente ?    Bom, a frente nos espera ASTORGA !!!   ALGO MUITO LINDO, que conto em seguida.