Pois a etapa prevista é ZUBIRI a PAMPLONA, com 20.7 km num terreno de normalidade, sem as subidas e as descidas terríveis. Partimos 7 e trinta da manhã, e depois de ter uma noite muito boa de sono e de descanso, com os joelhos devidamente molhados de Cataflan gel , fomos rumo ao desconhecido. Uma etapa até leve para os padrões da caminhada, mas onde seguiria a mesma situação de nosso preparo físico precário, e a aclimatação, que iria vir, gratadativamente com o passar dos dias. Esta etapa, nos gerou uma caminhada, dentro de nossa realidade de ritmo, até as 14 horas e trinta minutos, quando adentramos a cidade de Pamplona, e começamos a procurar o lugar para ficarmos albergados. A chuva persistia, nos fazendo pensar que iríamos ter quantos dias com esta realidade. Caminhar com chuva e muito frio, tornou-se uma das coisas bem desagradáveis destes primeiros momentos de nossa experiência no caminho, fazendo com que a gente tivesse a ideia de que isso seria até quando ?.
Adentrar a cidade de Pamplona, uma cidade de padrão médio, diferente dos povoados até agora conhecidos, nos deu uma dimensão até então diferente. O peregrino na cidade, nos centros maiores , fica desfocado do andamento normal da vida que pulsa normalmente, pois a sua indumentária , o seu cajado, o barro das botas, a sua vestimenta, as capas " estilo corcunda" nos diferenciavam a distancia. A gente tinha esta dimensão. Nós tínhamos esta impressão. A entrada da cidade foi lenta, passando por regiões diferenciadas, direcionando para a área central da fortaleza antiga, caminhando para perto do endereços dos albergues e esperando ver as melhores situações para definir a parada, ou onde realmente pernoitar.
Primeiro albergue que chegamos, Porcebadon ( dos alemães), estava completo e impossível qualquer alternativa. Procuramos informações com pessoas da rua e ficamos sabendo que estávamos na parte baixa da cidade, devendo subir em direção a catedral, perto da praça dos touros, e ali sim de forma mais próxima , ter mais indicações de locais, de albergues, de pousadas . Mais tarde, vim me dar conta, da referencia histórica da cidade de Pamplona, com as datas, com as corridas de touros pela cidade ( São Firmino, se me parece), e também pela excelente informação que um determinado espanhol , cidadão normal da rua e entusiasta do caminho, se fez interessar e nos guiou até a rua onde estava localizado o albergue da igreja ( de nome Joao Maria), e que nos acolheu de forma maravilhosa. Fomos os números 112 e 113, fechando a lotação do albergue naquele momento. Sinal de sorte, pois atrás de nós na fila mais de 20 peregrinos tiveram que de novo ir a rua e tentar diferentes opções de estadia ou caminhar ate outra parada.
Fatos e situações novas: Pois o caminho vai te mostrando detalhes e fatos, e fica por tua conta apropriar ou não. Aceitar ou não. Entender ou não. Pois o fator do dia hoje foi o primeiro exercício de desapego material que o caminho nos " ensinou". Nossas mochilas estavam muito pesadas de verdade. Nossos pés estavam acusando isso. Nossos joelhos também. Pois justamente, neste momento que ao conhecer as instalações do albergue que estávamos alojados, conhecemos a cesta do desapego. UM ENORME tonel, onde as pessoas que quisessem se desapegar de objetos, coisas, equipamentos, poderiam ali fazer , que os materiais seriam direcionados a doações , reaproveitamento , doações e outras finalidades interessantes e até filantrópicas. Nossa, como a cabeça da gente dá voltas e faz contas.....sendo que a razão deve sim falar mais alto que as vezes simples apegos.
Era apenas o fim do terceiro dia. Abri minha mochila depois do banho e enquanto deitado no beliche, aguardando a volta da Simone que tinha ido tomar banho e ver a lavadora e secadora de nossas roupas ( aquelas que funcionam com moedas)e que depois de muita espera tinha chegado a nossa vez, comecei a escolher o que eu iria deixar no tonel. Que exercício ! o que colocar " fora", desapegar, deixar para trás, abrir mão de usar, do pouco que já carregávamos? Logo logo, a decisão: tirar foto com a camisa do Inter e postar para um camarada que gosta muito do nosso time, mas ela não seria usada. Ninguém precisaria mais de duas camisas. Uma no corpo e uma na mochila. Tira , coloca a limpa e lava a usada. Assim seria os 40 dias. Sem variedade, sem escolha, sómente o necessário e o indispensável. Bermuda, fora! lanterna pequena de 250 gramas fora ! Bandeira do município que eu tinha levado a minha pessoal e própria, deixei como tantas outras que estavam expostas nas paredes do albergue e são afixadas das mais variadas regiões, cidades, países deste nosso mundão. A de Balneário Pinhal está lá em Pamplona no albergue da igreja católica exposta.
O albergue, tinha excelentes condições, dentro de uma igreja enorme, desativada como igreja e transformada em albergue. Cozinha, lavanderia imensa, andar de baixo e em cima, calefação, e hospitaleiros que falavam todas as línguas principais, que se faziam necessário em nosso convívio. Muito frio na rua e com chuva fina, nos aventuramos achar uma mercearia pequena, ou mesmo um mercado por perto, oportunidade em que tivemos a sorte de bem perto encontrar e fazer nossas comprinhas básicas do dia a dia e que seriam a marca quase registrada de nossa caminhada. Baguete, banana, laranja, atum, chocolate, Coca-Cola 600 ou latinha, queijo, presunto ( Jamon) e as batatas fritas de sempre. Isso se repetiu por dezenas de vezes, sendo em poucas oportunidades, o acréscimo de sardinha ou linguiça, massa, ou pizza. Alguém pode dizer.....mas vocês comiam mal, ou porque não comiam fora, restaurante etc....e eu respondo. Até tivemos diversas oportunidades em que fomos comer o MENU DO PEREGRINO, com seus pratos e sobremesa , com vinho ou agua., mas isso dependia do dia que tínhamos, nosso estado de ânimo, nossas pernas, nossos joelhos que teimavam em doer desgraçadamente, ficando quentes e começando a inchar. No caminho o início sempre é diferente do fim do dia, e nenhum dia tem coisas iguais e repetidas. Cada dia é um dia com novas situações e novas emoções. Agora lembrei : que feliz ficávamos quando o ambiente, albergue, bar, praça etc.....tinha sinal de WI-FI liberado, pois podíamos ter noticias de todos daqui da cidade, postar fotos, receber os contatos, interagir com os amigos e dividir algumas impressões da viagem. Como foi importante esta interação com todos os amigos daqui, pois por incrível que possa parecer, com todas as novidades, com tudo o que o caminho te apresenta, nada , mais nada mesmo substitui a saudade dos amigos, a saudade dos filhos, a vontade de estar com os da gente e ter o carinho das pessoas queridas por perto. Isso foi outra das constatações do caminho. Até bem lógica, mas sómente sentida e experimentada quando se coloca o pé fora de casa e ficamos afastados de nossas realidades.
Dormir, descansar, colocar pés para cima e ter um descanso merecido. O outro dia era logo logo. As 5:30 da manhã todo o ritual iniciava de novo com todas as particularidades que já a frente iremos descrever. Assim terminamos o dia 30 de abril de 2013 !