sábado, 26 de outubro de 2013

ETAPA 21 : MANSILLA DE LAS MULAS até LEON

Acordar cedo, uma rotina !  acordar bem cedo tem que ser sim sempre a rotina de quem enfrenta a caminhada.  Etapas menores, onde a presença de muita gente, onde são disputados albergues, cidades maiores onde existem  costumes de grupos iniciarem caminhadas, tipo esta etapa de hoje.  Leon, é uma cidade tradicional, turística , e que também é especial pois muita gente inicia a caminhada por ela. Europeus que disputam poucos dias e fazem etapas do caminho. Leon, é um destino destes, em que as situações, de vagas e bastante disputa em espaço nos albergues é uma realidade.   Pois é , e assim foi conosco também.
 Saímos muito cedo, junto com um casal de amigos franceses ( amigos não necesáriamente precisam falar o mesmo idioma), e colocamos pernas e mais pernas.  Uma parada óbvia para café, e encaramos a estrada, que era de  periferia e de aproximação de uma cidade grande, divisada ao longe e que se vai chegando aos poucos, adentrando a mesma através das rua da  periferia.   Foram 20 quilômetros e quatrocentos metros, até a porta do albergue das monjas beneditinas, que fizemos  antes do meio dia e estávamos entre os 10 primeiros  que chegaram até o albergue. Nossas mochilas serviram de base a porta para guardar o lugar, enquanto nos estiramos no solzinho da praça central da cidade , aguardando o horário de abertura pelos hospitaleiros, daquele que mais tarde iriamos conhecer, como o mais organizado dos albergues do caminho.
 O albergue das monjas beneditinas é um complexo respeitável arquitetônico, cobrindo uns dois quarteirões, tendo no seu interior, restaurantes, hotel, e várias atividades. O albergue ocupa um pedaço da área central da cidade e é extremamente organizado e com hospitaleiros  dedicados que alem de tudo são de uma humanidade extrema. Nós vivemos isso !
 Meio dia em ponto, as grandes portas se abrem e as filas são formadas.  Logo alguém determina que as mochilas devem ser  colocadas em fila e principalmente formas duas filas : homens e mulheres. Um pouco de dúvida até todos entenderem que o albergue não é misto, ou seja o alojamento é  individual : no sub solo as mulheres, internet, lavanderia, e no andar de cima um amplo alojamento com mais de 100 camas, somente para o sexo masculino.  A Simone me olhou, achou estranho , mas obedecemos.  Sem dificuldades, apenas  um pouco de cuidado, pois as mochilas no decorrer dos dias  misturam saco do remédio, saco dos produtos de higiene, pentes, escova de dente etc...e isso teve que ser  antecipadamente dividido, pois em outros albergues não necessáriamente isso seria preciso.  Mas assim fizemos.  Tudo era perfeito, organizado, limpo, e com , rsssss, vigilância, pois os hospitaleiros circulavam entre os corredores e indicavam e reprovavam posturas, como roupas pelo chão, mochilas em cima de camas e por ai vai.  DIFERENTE !  mas nada que não fosse adequado e aceitável.   Apenas com norma e com rigor.
Depois disso tudo, banho, organização, gel voltarem nos joelhos, pois a manha tinha sido fria assim mesmo, fomos conhecer a cidade histórica de LEON.   Uma visita linda, histórica, a catedral um espetáculo a parte, com um dos conjuntos de vitrais mais lindos da Europa, oportunizando a visita e o turismo de muita gente de verdade. Leon, é uma cidade espanhola que literalmente vive do esplendor turístico de suas belezas históricas e  faz com maestria.  Histórico, organizado, tradicional, imponente, limpo, ordenado, com distribuição de materiais e folhetos turísticos  apropriados e fáceis de entender, informando horários, preços, opções e a tradução para diversos idiomas.   Ficamos por algumas horas no centro histórico, vendo, e presenciando estas situações todas,  com apenas o senão do frio que gradativamente ia chegando com o cair da tarde. Fomos corridos de volta ao albergue pela falta de roupas quentes e adequadas, pois o frio cortante que ia se instalando teria que ser enfrentado com roupas mais adequadas.
Voltamos ao albergue e fomos ver a cozinha( não para fazer comida, mas uma espécie de refeitório), que nos possibilitou um local com mesa, apetrechos de abrir latas, agua para lavar talheres, pratos, e mais algumas coisas indispensáveis para quem senta e quer comer.  Fizemos nossa refeição ( meio almoço e meio janta, pelo adiantado da hora) e  nos sentimos acolhidos e em casa de verdade.  A calefação nos dava o  clima de calor, e os hospitaleiros mesmo pontuais, eram pessoas amáveis e  dedicavam carinho no atendimento.  Tivemos oportunidade de ver um casal de bicigrinos ( que fazem o caminho de bicicleta), chegar imundos de barro e duros de frio, molhados até a raiz do cabelo e serem acolhidos e encaminhados para um dos quartos dos hospitaleiros, pois a lotação já estava esgotada.  Isso sempre será a tônica do caminho de santiago.  O acolhimento e os exemplos destas possibilidades nos pequenos e grandes gestos. Como é bom receber quando precisamos. E isso acontece inúmeras vezes no decorrer do caminho.  Neste dia, tivemos uma linda lição de humanidade, por iniciativa de uma hospitaleira portuguesa que foi pródiga no atender bem.  Antes de dormir, ela passou e disse que quem fosse sair cedo, não deixasse de passar na cozinha.  assim somente !!!!Muitos nem ligaram e não deram bola.  Nós que novamente iriamos sair cedo, fomos ate a cozinha pelas seis horas da manhã e a hospitaleira brindou todos aqueles que ali chegaram com dois bules enormes ( leite e café) com doce e pão em grandes pratos em cima da mesa.  E o melhor, ganhamos um abraço de despedida, que nos fez  sair chorando e emocionados por toda a saída da cidade de Leon.  INDESCRITÍVEL A SENSAÇÃO !  Um cafe, nada de diferente, mas com amor, com satisfação, com dedicação, com calor humano, com positividade, com uma fala de harmonia, de bom querer, que nos tocou e a todos que ali estiveram aos seus modos e das suas formas de entendimento.  A Simone abraçou a hospitaleira e ficaram abraçadas por longos momentos.   Uma sensação única.
O caminho nos remete a muitas sensações!  vou usar a etapa seguinte para descrever algumas situações inusitadas do caminho e que mostram realidades distintas e até conflitantes, como os sons do caminho, os cheiros, a falta de privacidade, a insensibilidade de alguns, e muitos outros detalhes que percebemos pelo convívio que se tem de grupo, de uso de pequenos espaços, do ronco, dos sinais humanos e da até falta de educação de alguns. Isso existe de verdade e o caminho nos mostra de verdade.  Não poderia ser diferente, pois o caminho é feito por humanos e isso também é da natureza humana.

domingo, 20 de outubro de 2013

VIGÉSIMA ETAPA: BERCIANOS DEL CAMINO A MANSILLA DE LAS MULAS !

 Com toda a emoção da noite anterior em Bercianos, com toda a hospitalidade, com todos os ensinamentos, com a certeza de que  a acolhida que tivemos não era algo corriqueiro, e sim fruto da mística e da força dos ensinamentos do caminho, acordamos cedinho e  fizemos nossa contribuição na caixinha do albergue, sem alardes.  O ensinamento, a vivência  da janta tinha sido fortificadora e revigorante para o que ainda estava por vir.  Sempre muito bom.  No caminho é assim, do nada você recebe uma injeção de ânimo, de graça ,de riso, de choro, de vontade, de dor, de alento, de saudade, de força, e o grande ou simples mistério disso, em meio ao seu processo interior de digerir todas estas mostras, é conseguir seguir em frente.  Com a sua dor ou com a sua certeza.   A VIDA É ASSIM TAMBÉM !  Como que o caminho seria diferente!
 Acordar, ritual aquele de não fazer barulho, dispensamos o café que seria servido  a partir das 7 horas como mais uma parte do ritual de acolhimento, e fomos a rua,  ainda escuro, com um frio descomunal. Algo que eu e a simone nunca tínhamos sentido.  Mas muito frio.  Um frio seco, cortante, que trespassava as camisetas, a parka de nylon, e nos fazia tremer.   Com gorro, com luva, com tudo que tínhamos de roupa na mochila e literalmente estávamos congelando.  A etapa diária era de 26.8 quilômetros, uma etapa firme para os padrões diários , e que nos fazia também mais um motivo de preocupação e desgaste. Uma etapa que como já outras percorridas tinha a característica de acompanhar a estrada de asfalto e também costear a estrada de ferro, por áreas planas, com subidas eventuais, mas terrívelmente descampadas, por onde soprava o vento mais  cortante que eu já senti na minha vida.  Perna que ficava  dura, joelho que reclamava de articulação, situações que começaram a nos assustar, pois literalmente vimos que estávamos mal preparados de roupas e nem mesmo a possibilidade de recorrer ao comercio, ali onde estávamos não seria possível.  Para fazer xixi, incrivelmente uma parada de 5 minutos ou até menos, tinha o efeito de nos congelar, trancar, endurecer .  No fim desta etapa, eu notei que as pontas das minhas orelhas , a ponta do meu nariz estavam literalmente queimados do vento frio, e com pequenas bolinhas, que depois foram descascando literalmente.  Queimar com o frio.  Uma experiência totalmente nova , para nós , mesmo gaúchos do sul, com aquele frio cortante.
 Como nada é para sempre, e o caminho também mostra isso em diversos momentos, após 8 quilômetros de caminhada, cheguei no lugar de mais lembrança triste e de dor que tivemos no caminho.  BURGO RANERO, um povoado de passada, pequeno, mas que nos possibilitou um café quente, sentado num pequeno bar acanhado, aplacando por momentos nossa angustia e frio, mas que gravou em nossas  cabeças, a sensação do desconforto, do lugar inóspito, da passagem triste, da passagem desconfortante, da dificuldade, do despreparo, e da dor ( física) sofrida e transformada pelo frio desproporcional as nossas condições.  MAS VENCEMOS ISSO TAMBÉM.
 Sair do pequeno bar aquecido e colocar o corpo na rua, foi outra vitória.  Luvas, gorro, apertar as amarras da mochila, manter o cajado sem cair, pois até para se abaixar a dor das articulações sob intenso frio era uma situação muito dolorosa. A solução era andar, andar e  andar, naquela beira de estrada, descampada, que fazia com que a sensação térmica ficasse com certeza com temperaturas negativas.  Caminhamos por quase 20 quilômetros, e tivemos então a primeira visão alentadora do dia, que vei a ser finalizado mais tarde , depois de 6 horas de caminhada dura.  Pois o momento da visão alentadora foi  ver  HENDIGOS, uma passagem pequena, mas que do alto nos proporcionou aquela sensação de chegada, que mesmo com a ilusão de estar perto, nos fez caminhar mais quase 7 quilômetros ainda.  Mas pelo menos tínhamos divisado o caminho de chegada e sabíamos que o objetivo estava logo ali.   Esta é tambem uma das ilusões do caminho que as vezes agem positivamente na nossa cabeça.  Pelo menos a sensação de saber onde é o objetivo.  Muito ruim caminhar sem saber onde é o ponto.  Caminhar sem saber onde chegar.  Vislumbrar Hendigos, foi uma massagem no nosso coração, e um alento para aquele dia de muito frio e muito desconforto.
 Entrar em MANSILLA DE LAS MULAS, teve sim a sensação de um alívio.  Um povoado de recursos, onde pudemos escolher o albergue, fazer uma acomodação bem necessária, encontrar a hospitaleira que era brasileira e que nos acolheu de forma amistosa e com atenção.  As vezes isso faz uma diferença, e neste dia, mais uma vez tivemos esta sensação e esta certeza. A brasileira LAURA, radicada ali, nos deu a dose de carinho, atenção, e força que  estávamos precisando.   Em poucas palavras, buscamos informações e fomos a luta:  Rifocina para os dedos com bolhas, Micropore para encapar os dedos, e a Simone com sua rápida solução de comprar duas camisetas quentes para nós, para aplacar aquele frio que tínhamos sentido.  Como diz o cozinheiro internacional na televisão....." que marrrrravilhaaaaaa ".   Como foi aconchegante aquelas camisetas, como foi bom se sentir mais quente, como foi bom saber que não iríamos passar o frio  que tínhamos sentido.  Na rotina a partir dai, lavar roupas no  albergue, usar o sinal de WI-FI para mandar noticias, passar fotos, saber dos amigos, ter informações da família, dos filhos, receber mensagens dos amigos e recarregar as energias.  Muito bom receber dos amigos calor, boas palavras, força, pois por mais que a gente esteja no domínio das situações, a vulnerabilidade se instala na mente da gente e o divisor de águas em estar bem ou mal, sentir desconforto ou estar feliz, fica muito descompensado, e a variação de sensações, é um espetáculo a parte para quem vivencia esta situações.  Eu diria  imperdível para quem quiser alternar, sem querer ser  ciclotímico, mas comumente, poderíamos chamar de " salada de frutas de emoções".  
Uma janta feita pela Simone, com sopa, e todos aqueles " artigos " comuns aos caminhantes, na cozinha literalmente INTERNACIONAL, que mesclava, falas, cheiros diversos, fumaça das frituras de pescados que alguns franceses estavam  fazendo, dava a  dimensão do quanto era  misturado o processo.  Mas, de verdade isso era tudo detalhe.   Roupas lavadas, guardadas, roupa quente no corpo, pés tratados, sinal para telefone ok, remedio tomado, deitar e se aconchegar era tudo de bom mesmo, fazendo com que esperar o amanhecer seguinte fosse  a unica preocupação desta vida.   E , assim foi.  Por volta das 21 horas, adormecemos e esperamos pacientemente com um sono dos deuses amanhecer e dar continuidade a próxima etapa. Etapa esta que conto para vocês em seguida.

sábado, 5 de outubro de 2013

DÉCIMA NONA ETAPA: terradillos de los templários até Bercianos del real camino

 Pois era dia 15 de maio de 2013, uma quarta feira e nós tínhamos pela frente a etapa de Terradillos até Bercianos, num total,  de nossos locais de estada, importaria em percorrer 26.5 quilômetros, de um percurso, onde já estávamos um pouco debilitados fisicamente e já apresentando algumas sequelas de dores em joelho, fricção em bolhas na lateral do pé da Simone e  algumas dores mais, que conforme a temperatura, o esfôrço, a rapidez, se apresentavam sem a menor cerimônia.
A noite que tivemos em Terradillos, foi de muita chuva e que literalmente lavou aquela terra vermelha que costeia a estrada e as plantações, nos apresentando na manhã seguinte bem cedo, um ar gelado, que se misturava com um tipo de areião vermelho, mole e que colava nas botas, fazendo a caminhada inicial da manhã ser pesada e chata.  Sair cedo com frio da manha, com terreno embarrado, por plantações que circundavam o povoado, em direção  a estrada, que depois entenderíamos ser nosso percurso maior, acompanhando o trecho da Carretera, até chegarmos no nosso próximo destino.
 Quando as plantações acabaram, três quilômetros a frente, divisamos um pequeno prédio, que vimos mais perto ser um bar.  Bem certinho, nosso café da manha estava garantido!  foi o que fizemos e resolveu nosso primeiro problema da manha.  Tinha o que queríamos, e pagamos por isso também.  Placar zero x zero!  um café caro mas reconfortante, e que nos fez recuperar um pouco do ânimo e nos colocar com energia e de cafe tomado , no trecho que ainda desconhecíamos.   Retomada da estrada, vimos então o que nos esperava, pois ao chegarmos na beira da estrada, vimos lá no horizonte a cidade de  Sahagun, uma emblemática cidade, que podemos ver  , mesmo de passada rápida, como um local diferenciado, com uma estação de trem muito grande, um ramal ferroviário importante e que nos proporcionou ter acesso a um comércio grande, farmácia para comprar Micropore, remédio para dor , afim de que tivéssemos o cuidado de nos preservar e continuar plenos no caminho a frente.   Muita estrada, e muitas voltas, contornando literalmente a cidade, pegando um vento complicado, em áreas descampadas, onde o frio e o vento potencializavam a sensação de açôite, assando lábios, ponta de orelhas, nariz que teimava em pingar e com a fricção da luva ia ficando literalmente assados.
 Conforme fomos nos aproximando da cidade de Saragum ( sahagum), entendemos que o acesso estava sendo feito pela parte alta da  mesma, causando nosso cansaço, até porque, viemos da estrada e nos inserimos na área comercial direto, a procura de nossas necessidades.  O caminho tem disso, sendo que quando você tem a oportunidade de chegar em um centro maior, faça as compras necessárias e uteis, pois você não sabe quando estará tendo a oportunidade novamente.  Era sempre o que fazíamos, e deu certo em toda a extensão do caminho.  Não ficamos sem remédios, sem o suporte básico de nossas necessidades nunca. Um estoque básico de Dorflex, Voltarem gel, Ibuprofeno, e estada de novo.    Encontramos alguns amigos da estrada, como os jovens italianos que exatamente naquele trecho estavam parando de caminhar, por terem terminados seus dias de férias e deixando o resto do caminho para outra  oportunidade .  Estranho e normal ao mesmo tempo.  Estranho para nós que iriamos fazer o nosso numa tacada, e normal para eles, que por serem europeus, e  estarem sempre perto por trem, ônibus ou mesmo avião, escolhiam suas datas, seus tempos livres e seus momentos adequados para a sua peregrinação.  Nossos amigos de caminho italianos eram jovens, muito parceiros, e bem falantes, que sempre demonstravam muita receptividade, e que nós nos aproximamos, tendo em vista que em diversas oportunidades, privamos de pequenos momentos com eles, a mesa e com suas tradicionais discussões de como gastar apenas X euros por refeição, já que eles tinham o dinheiro limitado e procuravam  fazer render o mais possível.  Muito legal de dividir um baguette, uma lata de atum , com esta meninada  que foram sempre legais e amistosos na caminhada.
 Uma etapa normal, que teimava em acompanhar o traçado da estrada, e que em determinado momento com o vento frio, começou a me fazer travar o joelho, a articulação, me atrasando, e ocasionando que eu pedi a Simone para que fosse a frente , e deixasse que eu seguisse no meu ritmo e já começando a mancar e a perna sem a articulação normal do joelho, caminhando  assim meio manco e com a perna endurecida ( tipo aquelas múmias de filmes).  Muito chato, dolorido, e que a cada minuto que parávamos para  fazer  xixi, ou ate pegar um gole de água da garrafa, a retomada era cada vez mais dolorida e preocupante.  Quando foi por volta das 13:30, cheguei no povoado pequeno, que depois fiquei sabendo morar 165 pessoas apenas, e que tinha o nome de Bercianos.   Confesso a todos vocês, que não fiquei ali por convicção, mas sim por total falta de condições de prosseguir, até porque não gostei da forma externa do albergue e achei o lugar abandonado e não recomendável.    Pois assim como na vida nos enganamos, ali naquele lugar de aparência triste, pequeno, sem visual, eu e a Simone, recebemos uma das maiores lições de humildade, harmonia, bem querer e acolhimento de nossas vidas.  INDESCRITÍVEL !!!!!!!!
 Ficamos sentados a frente, como as fotos tipo ilustrativas aqui colocadas demonstram, esperando a hora do albergue abrir, sendo que eu, fiquei a todo momento me questionando porque parar ali e que só o fiz por absoluta falta de condições de prosseguir  pelo joelho doendo e já inchado e quente.  Pois meus amigos que lerem este escrito, nós estávamos começando a viver uma tarde diferenciada em nossas vidas.  Uma tarde e entrada da noite cheia de agradáveis surpresas e de  vivências com gente na acepção da palavra e com uma demonstração extrema de desprendimento , doação e grandeza para com o semelhante.   Desde a chegada , a hospitaleira, uma mulher jovem, bonita, grávida, deu demonstração de ter um coração quase do tamanho de sua barriga , e esbanjou  sensibilidade, boa vontade, com sua voz pausada e leve, nos tratando com uma paciência  extrema, e nos surpreendendo a cada momento.   O albergue era um prédio medieval, antigo, quadrado, feio, com todo o aspecto rústico por fora e que ao adentrarmos, nos deu já a primeira surpresa.  Era atual por dentro, tinha os confortos necessários, mas não abandonava o aspecto rústico e nos fazendo desde já entender e conviver com a realidade de necessidade x o existente.  Uma literal lição, leve e contínua, por todas as horas que estivemos ali alojados.   Convite para ouvir uma musica leve e reconfortante, um convite para ouvir a fala religiosa, convite para  relaxar em silencio e principalmente a surpresa do dia, pois fomos todos chamados para as 19 horas estarmos todos em uma sala anexa que se mantinha fechada.   Fomos surpreendidos na chegada, pois não se precisava pagar nada, e qualquer pessoa dava somente se quisesse e o que quisesse.  Um exercício de consciência bem adequado, e que muitos , se surpreenderam também.  Fomos chamados a sala de jantar e fomos atendidos como visitantes ilustres, por pessoas da comunidade, que num trabalho voluntário, todos os dias, em mutirão e revezamento, faziam a janta e recebiam todos os peregrinos do mundo todo ( mais ou menos 50) neste ritual de tratar  bem, acolher e ser receptivo com todos os desconhecidos.   Serviram uma salada, uma sopa de lentilha, pão, arroz, laranja, vinho e água.  Que comida mais abençoada aquela e que sentimento bom que brotou naquela sala naquela noite.   ACOLHIMENTO  na acepção da palavra.  Em determinado momento, começaram a chegar pessoas da comunidade e com suas formas simples de camponeses, de trabalhadores, tocavam cantavam e ao mesmo tempo quiseram que todas as nacionalidades ali presentes, de alguma forma, registrassem suas falas , seus motivos de ali estarem e a apresentação de algo típico de onde todos os visitantes vinham.  UM momento inesquecível.       Eu, a Simone, e um Gaúcho de caxias do sul estávamos ali naquele momento, representando o Brasil, e tivemos que a nossos modos, apresentar algo !   Por sugestão do gringo de caxias, cantamos dos fagundes, o canto alegretense, causando uma sensação toda diferente nos aturdidos ouvintes que não entendiam a letra mas tiveram a emoção e a percepção do significado de nossa sonoridade, abraçados, cantando bem alto de onde vínhamos e  de onde era o RIO GRANDE DO SUL, na ponta , no extremo sul da AMERICA DO SUL.  Momento lindo, mágico, inesquecível, e que fez todos  a cada vez que apresentavam suas origens e  particularidades se emocionarem.    As meninas dinamarquesas, que cantaram cantigas típicas;  as texanas que cantaram  suas canções emotivas, os alemães que reviveram as festas Bávaras; e outros tantos temas e exemplos que nos fizeram vibrar e esquecer o mundo la fora, a estrada, as dores, o caminho e o frio que nos judiou o dia todo.    Fiz parte dos voluntários que lavaram a louça e deixamos tudo organizado para o dia seguinte.  E quase na hora de ir embora deitar, entendemos o processo do que foi apresentado :   a cada dia, quem come e recebe o alimento é o que é oferecido, é porque quem passou no dia anterior, sem a obrigação de deixar, contribui com o que quiser para que a janta do dia seguinte possa ser feita e acolher o peregrino que chegará no dia seguinte.  Não preciso dizer que isso novamente emocionou a todos e que pela manha , na hora da saída, a caixa  colocada estrategicamente perto da porta recebeu de todos a ajuda e os valores necessários e justos, a tudo o que tínhamos recebido de nossos hospitaleiros amigos e acolhedores.  Uma lição para toda a vida.   Nunca vamos esquecer.
 Esta panorâmica do alojamento mostra a simplicidade e o  acolhimento que recebemos ai em Bercianos, um lugar de feições simples, mas com um conteúdo imenso, de  proporções  inesquecíveis e que fizeram e vão fazer com que  nunca possa ser esquecido para sempre.   Um dos locais de maior calor humano, de maior humanidade do caminho, e que de forma simples e objetiva , tivemos uma lição de acolhimento e receptividade despretensiosa  de valores e de  devotamento ao semelhante.  Grande pequena Bercianos del real Camino, que nos presenteou para nossas vidas com um grande ensinamento:  a simplicidade, a doação, o acolhimento, itens importantíssimos em nossas vidas, e que pudemos e forma direta e harmoniosa receber.

Falar sobre o lavar roupas, do comprar alimentos no único bar, pedir um cobertor , e dormir quentinho foram detalhes  até muito importantes, que ficaram neste momento menores, face as lições de humanidade que recebemos e fomos brindados neste canto lindo do caminho de santiago.  Uma verdadeira lição de hospitalidade.
 O boteco rústico da espanhola matriarca chamada MARIA DE JESUS, que tinha de tudo um pouco e que de forma firme e séria nos atendeu, proporcionando, o chocolate, o pão, a coca, o presunto, o queijo que em todos os lugares procurávamos comprar.  Mas o carinho e a lembrança de Bercianos nunca sairá de nossas memórias enquanto nós existirmos.
Na oração antes de dormir, quando faltavam somente cinco minutos para a luz apagar, agradecer foi o que mais nós fizemos.   Um momento ímpar em nossas vidas.   A lembrança sempre presente da fraternidade descompromissada.   Uma lição do caminho.