Acordar cedo, uma rotina ! acordar bem cedo tem que ser sim sempre a rotina de quem enfrenta a caminhada. Etapas menores, onde a presença de muita gente, onde são disputados albergues, cidades maiores onde existem costumes de grupos iniciarem caminhadas, tipo esta etapa de hoje. Leon, é uma cidade tradicional, turística , e que também é especial pois muita gente inicia a caminhada por ela. Europeus que disputam poucos dias e fazem etapas do caminho. Leon, é um destino destes, em que as situações, de vagas e bastante disputa em espaço nos albergues é uma realidade. Pois é , e assim foi conosco também.
Saímos muito cedo, junto com um casal de amigos franceses ( amigos não necesáriamente precisam falar o mesmo idioma), e colocamos pernas e mais pernas. Uma parada óbvia para café, e encaramos a estrada, que era de periferia e de aproximação de uma cidade grande, divisada ao longe e que se vai chegando aos poucos, adentrando a mesma através das rua da periferia. Foram 20 quilômetros e quatrocentos metros, até a porta do albergue das monjas beneditinas, que fizemos antes do meio dia e estávamos entre os 10 primeiros que chegaram até o albergue. Nossas mochilas serviram de base a porta para guardar o lugar, enquanto nos estiramos no solzinho da praça central da cidade , aguardando o horário de abertura pelos hospitaleiros, daquele que mais tarde iriamos conhecer, como o mais organizado dos albergues do caminho.
O albergue das monjas beneditinas é um complexo respeitável arquitetônico, cobrindo uns dois quarteirões, tendo no seu interior, restaurantes, hotel, e várias atividades. O albergue ocupa um pedaço da área central da cidade e é extremamente organizado e com hospitaleiros dedicados que alem de tudo são de uma humanidade extrema. Nós vivemos isso !
Meio dia em ponto, as grandes portas se abrem e as filas são formadas. Logo alguém determina que as mochilas devem ser colocadas em fila e principalmente formas duas filas : homens e mulheres. Um pouco de dúvida até todos entenderem que o albergue não é misto, ou seja o alojamento é individual : no sub solo as mulheres, internet, lavanderia, e no andar de cima um amplo alojamento com mais de 100 camas, somente para o sexo masculino. A Simone me olhou, achou estranho , mas obedecemos. Sem dificuldades, apenas um pouco de cuidado, pois as mochilas no decorrer dos dias misturam saco do remédio, saco dos produtos de higiene, pentes, escova de dente etc...e isso teve que ser antecipadamente dividido, pois em outros albergues não necessáriamente isso seria preciso. Mas assim fizemos. Tudo era perfeito, organizado, limpo, e com , rsssss, vigilância, pois os hospitaleiros circulavam entre os corredores e indicavam e reprovavam posturas, como roupas pelo chão, mochilas em cima de camas e por ai vai. DIFERENTE ! mas nada que não fosse adequado e aceitável. Apenas com norma e com rigor.
Depois disso tudo, banho, organização, gel voltarem nos joelhos, pois a manha tinha sido fria assim mesmo, fomos conhecer a cidade histórica de LEON. Uma visita linda, histórica, a catedral um espetáculo a parte, com um dos conjuntos de vitrais mais lindos da Europa, oportunizando a visita e o turismo de muita gente de verdade. Leon, é uma cidade espanhola que literalmente vive do esplendor turístico de suas belezas históricas e faz com maestria. Histórico, organizado, tradicional, imponente, limpo, ordenado, com distribuição de materiais e folhetos turísticos apropriados e fáceis de entender, informando horários, preços, opções e a tradução para diversos idiomas. Ficamos por algumas horas no centro histórico, vendo, e presenciando estas situações todas, com apenas o senão do frio que gradativamente ia chegando com o cair da tarde. Fomos corridos de volta ao albergue pela falta de roupas quentes e adequadas, pois o frio cortante que ia se instalando teria que ser enfrentado com roupas mais adequadas.
Voltamos ao albergue e fomos ver a cozinha( não para fazer comida, mas uma espécie de refeitório), que nos possibilitou um local com mesa, apetrechos de abrir latas, agua para lavar talheres, pratos, e mais algumas coisas indispensáveis para quem senta e quer comer. Fizemos nossa refeição ( meio almoço e meio janta, pelo adiantado da hora) e nos sentimos acolhidos e em casa de verdade. A calefação nos dava o clima de calor, e os hospitaleiros mesmo pontuais, eram pessoas amáveis e dedicavam carinho no atendimento. Tivemos oportunidade de ver um casal de bicigrinos ( que fazem o caminho de bicicleta), chegar imundos de barro e duros de frio, molhados até a raiz do cabelo e serem acolhidos e encaminhados para um dos quartos dos hospitaleiros, pois a lotação já estava esgotada. Isso sempre será a tônica do caminho de santiago. O acolhimento e os exemplos destas possibilidades nos pequenos e grandes gestos. Como é bom receber quando precisamos. E isso acontece inúmeras vezes no decorrer do caminho. Neste dia, tivemos uma linda lição de humanidade, por iniciativa de uma hospitaleira portuguesa que foi pródiga no atender bem. Antes de dormir, ela passou e disse que quem fosse sair cedo, não deixasse de passar na cozinha. assim somente !!!!Muitos nem ligaram e não deram bola. Nós que novamente iriamos sair cedo, fomos ate a cozinha pelas seis horas da manhã e a hospitaleira brindou todos aqueles que ali chegaram com dois bules enormes ( leite e café) com doce e pão em grandes pratos em cima da mesa. E o melhor, ganhamos um abraço de despedida, que nos fez sair chorando e emocionados por toda a saída da cidade de Leon. INDESCRITÍVEL A SENSAÇÃO ! Um cafe, nada de diferente, mas com amor, com satisfação, com dedicação, com calor humano, com positividade, com uma fala de harmonia, de bom querer, que nos tocou e a todos que ali estiveram aos seus modos e das suas formas de entendimento. A Simone abraçou a hospitaleira e ficaram abraçadas por longos momentos. Uma sensação única.
O caminho nos remete a muitas sensações! vou usar a etapa seguinte para descrever algumas situações inusitadas do caminho e que mostram realidades distintas e até conflitantes, como os sons do caminho, os cheiros, a falta de privacidade, a insensibilidade de alguns, e muitos outros detalhes que percebemos pelo convívio que se tem de grupo, de uso de pequenos espaços, do ronco, dos sinais humanos e da até falta de educação de alguns. Isso existe de verdade e o caminho nos mostra de verdade. Não poderia ser diferente, pois o caminho é feito por humanos e isso também é da natureza humana.