A etapa é 26.2 quilômetros, de distância, em um terreno plano, sem nada de graça, entremeados por terras e plantações, sem acesso a bar, tendas, comércio, suprimentos, sombra, nada versos nada ! A imensidão entre áreas inóspitas de plantações imensas e infindáveis, por um caminho chamado de (andadeiro), cercado em alguns km de arvores e depois completamente inóspito, despido de qualquer situação de apoio ou áreas de suprimento. Ou seja : 17 quilômetros destes 26, serão no peito e na raça( no caso foi um dia de calor) e nos sapecou de verdade, com uma temperatura diferente que estávamos pegando e com a aridez da terra e das opções ao longo deste trecho.
A Única referencia por determinados momentos era a passagem de maquinas com implementos agrícolas, levantando poeira e deixando a estada quase sem que pudéssemos respirar, aliado ao calor , e a imensidão de chão a frente. O termo perfeito era desanimador, mas com o desconhecimento e sem saber o que iria ainda complicar mais, a gente vai no escuro e no estímulo. Mas quem disse que o que é ruim não pode piorar? Sorte, se isso pode ser tido como sorte, que o trecho era plano, e isso pelo menos amenizou um pouco do cansaço. Neste trecho não tínhamos povoados, banheiros, fazendo com que todos tivessem que caminhar com alimentos a mais e com acumulo de peso, agua em maior quantidade que o necessário, e pior, a cada trecho a romaria em direção as moitas e aos poucos locais de arbustos, eram usados sem a menor cerimonia como banheiro. Muito complicado ! Mas muito complicado mesmo.
Caminhar em etapas difíceis, é uma realidade do caminho, mas esta em especial tinha algumas características piores e diferenciadas. Vocês pensem comigo, que após esta maratona, sem nada, você chega no povoado único e localizado no meio do nada e sem chance de escolha de local a ficar. Um albergue ( relativamente bom), mas sem opção de mais nada. Farmácia não, tenda não, restaurante não, bar não, ou seja um povoado agrícola de 80 pessoas somente, incrustrado no meio das plantações extensas e único refugio para a próxima etapa que também era nada nada promissora. Mas, você já esta inserido, relaxar é a única opção e não adianta. Muito triste ver bastante gente, chegando ao albergue e este já estar lotado, ficando gente dormindo nos corredores, com menos privacidade ainda e outros tendo que recorrer para além deste trecho ruim e inóspito, ter que ainda percorrer mais 6 ou 7 quilometros até o próximo povoado e não ficar empenhado de verdade.
O albergue tem o nome de Jaques Demolay, sugestivo como um dos responsáveis pela ordem dos Cavaleiros Templários, mas que neste local e nesta menção, sobraram somente a cruz e a bandeira, assim como a representatividade de seu nome. O ritual diário de chegada, roupas, descalçar as botas, lavar roupas e ver o que existia para comer no albergue x restaurante único existente. Tive sorte, pois gosto de sopa e um caldo de galinha, com arroz ralo, me fez uma espécie de forração ao estomago, e após o banho, passado o calor, refrescado um pouco, o efeito foi até animador. Momentânea a sensação !!!!!
A Simone teve quase uma pequena insolação, pois foi tendo o efeito cebola ( retirando peças de roupa) e chegou ao fim do trecho de manguinha de camiseta e tomou o sol direto, sem protetor e quase se complicou. Aquele vermelhão.
Existem momentos na caminhada, em que vemos detalhes mundanos sobrepujando o ideal cristão da experiência da caminhada, pois a mistura de interesses comerciais, as praticas de aproveitamento comercial das oportunidades e as dificuldades de quem está literalmente " ilhado" em algumas condições, nos dão um gosto nada legal de digerir, pois nos sentimos coagidos, sem opção e reféns da situação.....rs, poderia dizer alguém, nada diferente do dia a dia e da vida de relação ?
Não gosto de reforçar isso, pois nada compromete a grandeza do caminho, sua existência, sua significação, espiritualidade, mas são detalhes nada construtores de uma boa realidade, e que nos trazem de quando em vez para a dimensão que estamos no mundo mesmo e que a vivencia é verdadeira e sujeita a algumas leis maiores temerárias sempre. A vida como ela é , diria Nelson Rodrigues !
A noite, nos submetemos a escolha existente do menu peregrino, entre galinha e lentilha, regada a uma gelada e cara ($) coca cola, fazendo com que nosso sono chegasse mais rápido e que o novo dia , pudesse nos levar para um universo diferente daquele que estávamos presenciando. Tomara !!!
Uma nota triste, para nós ( eu e a Simone) que dentro das limitações do idioma, estávamos conseguindo colecionar alguns parceiros e fazendo alguns vínculos com amigos da caminhada. Pois foi com tristeza que vimos algumas pessoas queridas do dia a dia das relações chegando extenuadas no albergue e este já lotado, tendo que obrigatoriamente negar auxílio e guarida a estas pessoas, como foi o caso do nosso amigo francês, (Messie Cristian), que cheio de bolhas, cheio de assaduras nos pés, do calor , da poeira e do cansaço, não teve alternativa de poder continuar, sendo carregado de ambulância, para a próxima parada, onde foi acomodado e teve um tratamento médico adequado as suas necessidades. Mas, era sim muito ruim ver as pessoas desoladas e sem alternativa. Trecho triste, trecho difícil, trecho para esquecer, e etapa complicada. Assim também é o caminho, e isso a gente teve de conhecer de forma chata e de forma quase impossível de poder ajudar e tentar contribuir. Mas nada que não pudéssemos aguentar. A próxima etapa já nos esperava e esta é uma das certezas do caminho. Vencer a cada dia e seguir sempre em frente! Quase nada diferente de nossas vidas.